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ORDEM MISTA MAÇÓNICA
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Maçonaria e Fernando Pessoa

Fevereiro 20, 2019 às 02:41, Nenhum comentário
Embora não se tenha levantado, até o momento, uma prova conclusiva de que o poeta Fernando Pessoa era maçon, não há dúvida que ele era iniciado nos segredos da Arte Real. Pelo menos, em seus escritos, ele demonstra muito mais conhecimento do que a grande maioria dos maçons que já atingiram os últimos degraus da Escada de Jacó. 
Por prova conclusiva entendemos documentos escritos, tal como uma ata de sessão registrando sua iniciação. Todavia, vários outros documentos, como por exemplo, as publicações maçônicas, que ele recebia regularmente, mostram que ele, efectivamente, tinha ligações com a Maçonaria.

A Maçonaria de Fernando Pessoa é espiritualista por excelência. E não poderia ser de outra maneira dado o conteúdo dos seus escritos. Ele não via a Maçonaria como uma sociedade secreta, mas sim como uma sociedade iniciática. 
Há diferenças fundamentais entre os dois conceitos. Uma sociedade secreta não tem estatutos nem divulga seus objectivos ou o nome de seus membros. Vive nas sombras e suas actividades só são conhecidas de seus adeptos. A sociedade iniciática é, quando muito, seita, ou uma ordem que pratica uma doutrina. Ela inicia seus adeptos nessa doutrina, que não pode, por isso mesmo, ser secreta. 

Se o fosse, não poderia ser chamada de doutrina. O segredo, na Maçonaria, como próprio poeta diz, é circunstancial. Quer dizer, existem certas particularidades que não podem ser divulgadas a quem não pertencer à Ordem, ou mesmo dentro das diversas hierarquias de graus, a quem não pertencer ao mesmo grau. 
Mas isso era simples questão de circunstância e organização hierárquica. Na verdade, aquilo que as pessoas chamam de secreto na Maçonaria, que são os seus símbolos, palavras e toques são muito mais uma forma de linguagem do que propriamente uma fórmula discriminatória, ou de exclusão de pessoas estranhas ao meio, como é o caso das sociedades secretas.

Outra indicação da sua condição de maçon é a estreita amizade que ele manteve com o famoso mago e eminente maçon Aleister Crowley, o qual visitou Lisboa em 1930 para, segundo ele mesmo informou, estabelecer na capital portuguesa uma “delegação da Ordem, sob a autoridade de Dom Fernando Pessoa”. Que Ordem era essa ele não disse. Aleister Crowley era maçon e membro da famosa Golden Dawn, uma espécie de Loja Maçónica espiritualista fundada na Inglaterra em fins do século XIX pelo escritor Bullwer Litton, famoso pela narrativa dos Últimos Dias de Pompeia, livro que o notabilizou. Crowley fundou diversas Lojas Maçónicas, de diversos ritos. Foi um das maiores autoridades em Maçonaria, em toda a história da Ordem. 

Não temos dúvida que Fernando Pessoa era irmão. Tanto era que se envolveu em acirradas lutas em defesa da Maçonaria, quando o Estado Novo, implantado em Portugal em 1926, sob a direcção de Oliveira Salazar, iniciou um sistemático processo de perseguição contra a ordem maçónica em Portugal. Essa perseguição culminou com a lei 1901, de maio de 1935, que proibia a existência das chamadas “sociedades secretas”. Essa lei, que só foi revogada em 1974, quando o regime foi abolido, tinha um alvo bem claro: A Maçonaria. 
Fernando Pessoa insurgiu-se contra esse decreto escrevendo vários artigos em revistas da época, defendendo a Maçonaria, expressando sua opinião e conceitos a respeito da Ordem e da sua doutrina. Em razão disso, sua vida durante o regime Salazarista, não foi muito fácil. 
Para Pessoa a Maçonaria não era uma sociedade secreta, embora suas reuniões fossem fechadas e privativas dos iniciados. Quem diz que a Maçonaria não é uma religião só está certo em uma coisa, dizia Fernando Pessoa: ela não é religião confessional. Ela é uma religião iniciática. Qual a diferença? Ele mesmo explica: a diferença entre as seitas iniciáticas e as religiões institucionais é precisamente a iniciação e a forma de participação. Nas religiões institucionais o adepto participa, mas não aprende. Ele é cooptado, não pela razão, mas pela fé. Na Maçonaria não há uma fé, mas sim uma doutrina de carácter iniciático.

Para Fernando Pessoa havia duas classes de maçons: os esotéricos e os esotéricos. Os esotéricos, em sua opinião, os verdadeiros maçons, eram os espiritualistas, aqueles que viam a Ordem como sociedade de pensamento, onde se podia adquirir uma verdadeira consciência cósmica. Os exotéricos eram aqueles que viam a Maçonaria como um clube de cavalheiros, uma entidade sócio empresarial elitista e pseudo-filantrópica, mais interessada em política e vida comunal do que, propriamente, doutrina. 
Na sua opinião, a maioria dos maçons era do último tipo, isso é, esotéricos. Eram do tipo administrativo, pessoas que galgam até os últimos graus da Ordem sem entender absolutamente nada do que aprenderam lá. Isso significa que existe na Maçonaria uma grande quantidade de iniciados profanos, que por falta de uma sensibilidade para com a verdadeira natureza dos ensinamentos maçónicos, ou mesmo pela falta de interesse ou mera preguiça intelectual, jamais serão verdadeiros iniciados, ou maçons no verdadeiro sentido da palavra. São iniciados por fora, apenas formalmente, mas continuam profanos por dentro. 

Sua principal crítica era o fato de as Lojas terem se tornado instituições, que faziam sessões meramente administrativas. A maioria das Lojas, segundo o poeta, praticavam os rituais de uma forma vazia e puramente formal, sem levar o adepto a entender a riqueza espiritual contida nas lendas, nos ritos e nos símbolos utilizados no ensinamento maçónico. Por isso, dizia ele, cada grau deveria corresponder a um estado de vida, tendente a levar o iniciado a um novo patamar de consciência. Isso tudo se perdeu quando a Maçonaria institucionalizou seus ritos e se transformou numa organização administrativa. 
Salientava ainda, o poeta, que a Maçonaria é uma “Ordem de Vale”, isto é, uma Ordem que precisa da qualidade iniciática para se tornar uma “Ordem de Montanha.” Simbolicamente isso significa que a sua função é dirigir o adepto na busca da elevação espiritual. Foi isso que os hebreus fizeram, por exemplo, quando deixaram o Vale do Nilo e se dirigiram para o Monte Sinai sob o comando de Moisés. Os hebreus deixaram a religião formalista e meramente confessional do Egipto para buscar a iniciação na montanha. Assim, o Êxodo foi, na verdade, uma grande jornada iniciática. 

Daí ele entender, por exemplo, ser o Rito de Heredon, o mais representativo da Ordem maçónica. Isso porque Heredon é o centro supremo do mundo, o pólo místico da iniciação planetária, segundo a tradição Rosa-Cruz. De acordo com a lenda Rosa-Cruz, a montanha de Heredon está situada na Escócia, a 60 milhas de Edimburgo. 
Não precisamos dizer que concordamos com Fernando Pessoa. Em nosso entender a Maçonaria, enquanto instituição não deve se envolver com questões comunitárias nem se preocupar com a prática da filantropia. Isso deve ser uma preocupação do maçon como pessoa, mas não da Maçonaria como instituição. Uma Loja voltada mais para esses fins torna-se, como disse o poeta, uma unidade administrativa, fugindo da sua verdadeira finalidade, que no nosso entender, é evitar a desintegração cósmica do homem, desintegração essa provocada pelo individualismo e pela luta pela sobrevivência. Afinal, a busca dessa integração é a meta das doutrinas espiritualistas. 
Fernando Pessoa nasceu em Lisboa em 1888 e morreu na mesma cidade em 1935. Deixou para a comunidade maçónica um extraordinário legado doutrinário, muito pouco conhecido e por isso mesmo pouco explorado. Esperamos voltar ao assunto em breve para levar aos irmãos mais um pouco da sabedoria maçónica do grande poeta português. 

Jorge de Matos
(Do livro O Pensamento Maçónico de Fernando Pessoa)

Os textos de Fernando Pessoa a respeito da Maçonaria são os seguintes:

FERNANDO PESSOA E A MAÇONARIA
Uma Ordem iniciática é verdadeiramente uma Ordem só quando está em actividade — isto é, quando tem abertos os seus templos, ou o seu templo único, e realiza sessões e iniciações em ritual vivido [?]. Quando em dormência, ou vida latente e simplesmente transmissora, não é propriamente uma Ordem, mas tão somente um sistema de iniciação, avanço e completamente. São os três termos que competem à atribuição, por exemplo, dos três Graus Menores da Ordem Templária de Portugal.
Por isso eu disse, legitimamente, que não pertencia a Ordem nenhuma. Não podia legitimamente dizer que não tinha nenhuma iniciação. Antes, para quem pudesse entender, insinuei que a tinha, quando falei de «uma preparação especial, cuja natureza me não proponho indicar.» Essa frase escapou, e ainda mais o seu sentido possível, aos iledores anti-maçónicos. Só posso, pois, dizer que pertenço à Ordem Templária de Portugal. Posso dizer, e digo, que sou templário português. Digo-o devidamente autorizado. E, dito, fica dito.

Ora, é à luz dos conhecimentos que recebi pelos três Graus Menores da Ordem Templária que pude ler com entendimento livros e rituais maçónicos. Ausentes esses conhecimentos, estaria lendo às escuras.
A iniciação maçónica — que é uma iniciação do primeiro nível — é dada através dos rituais e dos símbolos; os discursos que acompanham o ritual nada conferem. Uns são propositadamente simples e triviais, para que o candidato, se é apto e digno, se vire d'eles para a parte vital do grau; outros são propositadamente confusos e contraditórios, para que obriguem o candidato, se nele há alma iniciática, a meditar, escolher, e, por fim, achar; outros são, como disse Pike (que escusava bem tê-lo dito) (...)

Segue de aqui que a leitura, por profanos, de rituais maçónicos, impressos ou manuscritos, os deixa no fim da leitura no mesmo estado de trevas em que estavam no princípio. Falta-lhes a luz com que dissipem essas sombras propositadas; o fio com que, espalhado no solo quando entram no labirinto, de novo os reconduza à entrada.
O entendimento dos símbolos e dos rituais maçónicos não pode ser obtido senão por iniciação direta, ou, excepcionalmente, por qualquer preparação espiritualmente equivalente que permita ao simples leitor de rituais visionar emotivamente as cerimónias, sentir no coração aquela vida própria com que os símbolos são almas. Fora disso há só uma noite sem madrugada.
A Maçonaria nada, pois, tem que ver com qualquer regime ou partido político, excepto se ou quando esse regime ou partido atacam a tolerância ou oprimem a liberdade. Nada tem que ver, por igual, com qualquer religião ou doutrina excepto se essa religião ou doutrina esta nas condições indicadas. No caso que (...)

Nesse caso é dever de todo maçon combater quanto possa esse inimigo da liberdade, e é seu dever natural de maçon, independentemente de indicação directa da oficina de que seja obreiro, ou da obediência a que, ele e ela, pertençam. Tolerantes, ou antes indiferentes, de mais têm sido a Maçonaria e os maçons para com tais doutrinas imprevidentes de mais para com elas quando ainda no início e mais fáceis portanto de combater. Foi esta falta de previsão que levou os maçons, e os liberais profanos em quem directa ou indirectamente influem, a considerar o "Integralismo Lusitano" como uma espécie de garotice miguelista, incapaz de crescer ou de ter força.
Certo amigo meu teve, durante algum tempo, a mania do hipnotismo e do "magnetismo". Em virtude disso fazia "experiências" — fitava intensamente diversas nucas, a ver se os seus donos se voltavam para trás; concentrava o olhar sobre diversas pessoas, a quem dava uma ordem mental, a ver se elas a cumpriam. Não sei, não me lembro, que êxito geral, ou média de êxito, obteve desses esforços pelo menos oculares. O que sei e lembro é o que ele uma vez me contou.
— Foi o outro dia, disse, na "Brasileira" do Rossio. Eu estava sentado a uma mesa contra a parede. Sentou-se a uma das mesas do meio, perto da minha, um tipo qualquer. Tomou um café e, depois de o tomar, deu sinais de se querer demorar, sem que parecesse esperar alguém. Decidi fazer uma experiência com ele. Concentrei-me, fitei-o firmemente e dei-lhe ordem mental de se ir embora. Fiz isto concentradamente durante uns bons cinco minutos. E V. sabe o que sucedeu?
— Não.
— Senta-se à mesa um segundo gajo.

Veio-me isto irresistivelmente à lembrança ao meditar uma vez casualmente no resultado da apresentação e execução da lei contra as Associações Secretas. O Estado Novo fitou atentamente a Maçonaria, deu-lhe ordem de que se fosse embora. E sentou-se à mesa o Segundo Gajo.
Ao Sr. Manuel Mexia [?] Pinto, tão diligentemente amigo da linguagem simbólica, ofereço sorrindo esta pequena alegoria.
Citei-lhes propositadamente autoridades maçónicas que já passaram de categoria. Citei Findel, Kloss e Gould (...) os dois primeiros extintos como autoridades, o segundo autoridade na espécie restrita da história. Não li nenhum. Para quê, se em livros sei de muito melhor, e se, em ciência, estou muito mais certo?
Deixar de citar o que vale e importa, no desenvolvimento que os conhecimentos maçónicos têm tido nos últimos anos. Todos caíram no logro, incluindo no alçapão involuntário que a tipografia do Diário de Lisboa lhes forneceu, passando-me Kloss para Kiuss. Todos pegaram nesta gralha — eles, jornalistas, que não sabem que há disto.
Dá-se entre o judaísmo e a maçonaria uma coincidência externa, como a de dois homens que viajam no mesmo comboio. Não há conluio, mas concordância. Ambos visam fins universais, ambos fins religiosos que se afastam da religião corrente, mas um e outro o fazem por motivos próprios que coincidem mas se não sobrepõem.

O segredo da Maçonaria é simplesmente este — que todas as religiões são igualmente verdadeiras, que dizer Júpiter ou Jehovah é, não dizer coisas diferentes, mas como quem diz a mesma coisa em línguas diferentes. Deve haver, portanto, tolerância para com todas as religiões — tolerância às avessas da do chamado livre pensador, que tolera a todas porque considera todas falsas. Um maçon pode ser tudo menos ateu.
Isto está dito nas constituições de Anderson, embora veladamente dito, e a interpretação literal do texto, do Grande Oriente de França, é errónea. Não se podia dizer isso explicitamente porque quase ninguém entraria para a Ordem, se se dissesse. É depois de estar na Ordem, de atingir a sua essência e espírito, que este segredo se atinge.
Todas as religiões, embora verdadeiras, são, contudo, simbólicas; como a própria Franco-Maçonaria. Isto é, os seus ritos e dogmas, os seus deuses e rituais, são verdadeiros, mas como símbolos, não como realidades. Os inimigos do Símbolo são a Ignorância, que esquece ou não sente que ele é símbolo; o Fanatismo, que (...) E assim matam o símbolo, e o Sentido (a Palavra) do símbolo se perde, a religião se materializa (morre), e só na pessoa do seu entendedor externo (o candidato) pode ser verdadeiramente ressuscitada.

Os argumentos contidos no meu artigo eram os seguintes:
1. "Tudo quanto de sério ou de importante se faz, faz-se em segredo; e, se as associações secretas são más por serem secretas, todos quantos decidem qualquer coisa sem ser em público, ou com plena publicidade ulterior, estão em igual estado de perversidade.
2. Aparentemente dirigido contra "associações secretas" em geral, o projecto de lei era realmente dirigido contra a Maçonaria.
3. A Maçonaria não é uma simples associação secreta, mas uma ordem iniciática, e o seu segredo é o comum a todas as ordens iniciáticas, a todos os chamados Mistérios e a todas as iniciações, ainda que fora de Templo, isto é, directamente de Mestre a Discípulo.
4. Da conversão do projecto em lei adviriam três consequências: (a) coisa nenhuma, porque as ordens iniciáticas não se destroem de fora, nem há exemplo de haver vingado qualquer tentativa (e citei três) de as extinguir; (b) perseguição aos melhores maçons; (c) criação de uma corrente hostil contra nós no estrangeiro — e citei exemplos de idêntica hostilidade em casos de perseguição à Maçonaria —, no que nunca há vantagem, sobretudo para um país como o nosso — pequeno, fraco, com ambições constantes sobre as suas colônias.
5. À parte tudo isto, a Maçonaria não é maléfica nem daninha, e erros ou até "crimes" que porventura provadamente se lhe apresentem são ou: (a) provenientes da falibilidade humana, pois que a Maçonaria é composta de homens; ou (b) de circunstâncias de meio e época que a Maçonaria não criou e que nela influem, ou em certos sectores dela, como influem sobre toda a gente; e que (c) nas mesmas circunstâncias está qualquer outra instituição, secreta ou pública, que exista no mundo, como, por exemplo. a Igreja de Roma, cujos erros e crimes provados são quase sem número.
Fora da linha do argumento fiz também incidentalmente, e a um outro propósito, as seguintes afirmações, que não constituem argumento.
6. O Sr. José Cabral e os anti-maçons são completamente ignorantes de assuntos maçónicos.
7. (a) Não sou maçon, nem pertenço a qualquer Ordem; (b) sou suficientemente conhecedor de assuntos maçónicos para deles poder confiadamente ocupar-me; (c) os meus conhecimentos maçónicos derivam-se, não da simples leitura de livros mas de certa "preparação especial", cuja natureza me não propunha, nem agora me proponho, indicar; (d) não sou anti-maçon; antes, através do meu estudo da Maçonaria, adquiri um conceito favorável dessa Ordem; (e) em virtude disso — não foi realmente só em virtude disso — vim defender a Maçonaria.
Finalmente:
8. Citei vários nomes de autoridades maçónicas e de maçons proeminentes ou célebres.

Os pontos numerados 6, 7 e 8 nada têm, evidentemente, que ver com o argumento. Se os menciono é porque sobre eles, ainda que nada tivessem para o caso, incidiram reparos vários, aos quais desejo fazer referência.
Tem o leitor diante de si, em forma que creio clara e precisa, o resumo do conteúdo do meu artigo, despido de incidentes de redacção e de estilo. Vejamos como se lhe respondeu.
Ao ponto (1) ninguém respondeu nem poderia responder: é, por assim dizer, automaticamente irrespondível.
Ao ponto (2), por geralmente admitido de parte a parte, ninguém opôs ou poderia opor a mais pequena observação. Bastava a origem do projecto — isto é, o seu autor, católico-romano e reaccionário, para ninguém supor que fosse um ódio abstracto ao secreto [,] um amor místico do pleno dia, que movesse o Sr. José Cabral a escrever e a apresentar o seu projecto de lei. O conteúdo deste, e do seu relatório, coincide aliás perfeitamente com o teor de uma moção votada em (...), em Braga em um congresso católico-romano. Em todo o caso, tive o cuidado de raciocinador de dizer no artigo que o projecto de lei era dirigido "total ou principalmente" contra a Maçonaria.

Para responder ao ponto 3, era mister provar qualquer das várias posições seguintes: (a) a Maçonaria não é uma Ordem iniciática; isto, que é falso, ninguém provou nem pode provar; (b) há Ordens iniciáticas que não são secretas; isto, que é falso, ninguém provou nem pode provar, pois não há iniciação, individual ou templar, que não seja secreta, visto que o ser ela secreta está na essência do mesmo conceito de iniciação; (c) a Maçonaria é secreta por outros motivos que o iniciático; isto, que é falso, seria ainda absurdo, pois, se a Maçonaria é já secreta por ser iniciática, escusa de ir buscar a outra parte o segredo que já tem; (d) as ordens iniciáticas são maléficas e ilegítimas, por serem iniciáticas, porque é maléfica e ilegítima toda a iniciação. — Este conceito, dogmático e gratuito, é exclusiva pertença da Igreja de Roma. Este argumento teria, porém, no trajecto, os seguintes desastres de viação. Atingiria os primitivos cristãos, pelo motivo já citado no meu artigo; e a Igreja de Roma declarar-se-ia implicitamente assente em bases de malefício e de ilegitimidade. Os opositores dos iniciados e dos herméticos nunca definiram, nem tentaram definir, o que é iniciação, não podendo declarar maléfico ou ilegítimo o que não sabem o que é. O que a Igreja de Roma pensa ou deixa de pensar não interessa ao Estado português, pois que está ainda em vigor a Lei de Separação, e as bulas ou encíclicas do Papa não são leis do País.
Quando digo que tenho conhecimentos maçónicos, quero dizer, primeiro, que sei o que é, iniciáticamente, a Maçonaria e qual o seu papel especial entre os ritos e sistemas de iniciação; segundo, que sei o que é, socialmente, a Maçonaria, e qual a relação, que é íntima e directa, entre o seu papel iniciático e o seu papel social; terceiro, que conheço, tanto quanto se pode conhecer (e não é muito) a história da formação, desenvolvimento e (...) da Maçonaria. O mais que sei do assunto é casual e acessório, pois não disponho de uma rede de espionagem nem convivo de hábito ou de bom grado com denunciantes.

Se me perguntarem qual é a significação do sinal abreviativo por três pontos em triângulo, quando primeiro apareceu em documento público e por que motivo algumas obediências maçónicas evitam o seu uso — se me perguntarem isso, sou capaz de responder, ainda que não responda. Se me perguntarem qual a origem e sentido do termo hebreu Kadosh, e por que motivo está ele erradamente aplicado ao grau em cujo título figura — se me perguntarem isso, estou apto a responder, o que não quer dizer que responda. Se me perguntarem porque é que a Grande Loja de Inglaterra, quando, no Ato de União de 1813, decidiu que a «pura e antiga Maçonaria» não era constituída senão pelos três graus simbólicos e o Sacro Real Arco (o de Zarubbabel e não o de Henoch, que é o Grau 13 do Rito Escocês), não passou todavia a trabalhar o Real Arco mas o entregou a um Supremo Grande Conselho dos Maçons [?] do Real Arco — se me perguntarem isso, estou apto a responder, embora guarde silêncio. Todas estas coisas são da alma e da essência da Maçonaria e, muito embora haja que colher em livros a indicação dos fatos, não é com uma ciência derivada de livros, que esses fatos podem ser coordenados e devidamente entendida e interpretada a sua coordenação. Se, porém, me perguntarem se certo indivíduo é maçon, ou quantas Lojas estão em actividade sob certa obediência, terei que responder, em geral, que não sei, porque de fato o não sei. Se, por acaso, souber, digo também que não sei.

Não lhes ocorreu que houvesse alguém que, não sendo maçon, tivesse todavia motivos para ter para com os maçons um sentimento deveras fraternal, que o movesse a defendê-los; que, não sendo presa de qualquer compromisso de sigilo, pudesse fazê-lo; que, tendo os conhecimentos necessários, pudesse fazê-lo competentemente.
O meu artigo foi somente o primeiro aviso de uma campanha a fazer; nem sou só eu que a faço, nem é ela feita só em 4 letras.
Assim o querem? Assim o terão.
Amigos reaccionários: em guarda!
Uma associação secreta é uma associação cujos fins são secretos, independentemente de o ser a sua composição. Um agrupamento monárquico que apoie um estado ou um partido republicano, com o fim oculto de subverter a um ou a outro, é uma associação secreta.
Se o sr. José Cabral conhece os nomes dos maçons, em que é que a Maçonaria portuguesa é secreta (...)

Os fins da Maçonaria são: (1) transmitir aos seus iniciados, por meio de símbolos, a maneira de, ou preparação para, estudar os «mistérios da natureza e da ciência»; (2) auxiliarem-se os maçons moral, e, se preciso for, materialmente uns aos outros; (3) fazer o possível para que nas sociedades se crie ou se desenvolva o espírito de tolerância sem o qual a vida mental e espiritual é impossível, e o respeito pela dignidade do Homem, sem o qual é impossível a própria vida social num país civilizado.
Uma associação secreta no sentido em que possa ser tomada por perigosa ou ilegítima, é, essencialmente, uma associação que é secreta quanto aos seus fins. O ser secreta quanto à sua composição, ou secreta quanto aos seus processos, não pesa para esse caso. Um serviço de espionagem, uma policia política, são necessariamente secretos quanto a composição e processos. Qualquer que seja a nossa simpatia, antipatia ou indiferença por esses sistemas secretos, ninguém nega aos estados e aos governos o direito de empregá-los. E que não são secretos quanto aos fins, e esses fins não são, em si mesmos, ilegítimos. Se são ilegítimos, a associação é ilegítima, nada importando que sejam secretos ou não os seus processos e os seus componentes.
Ora, qualquer que seja o grau de segredo — variável de país para país pelas razões que adiante serão expostas — que incida sobre a composição e os processos da Ordem Maçónica, nenhum segredo incide, pelo menos hoje, sobre os seus fins.

São estes os fins da Maçonaria em todos países onde existe. Os dois primeiros são acompanhados em toda a parte pelos mesmos processos — rituais no primeiro caso, actos de auxílio, e outros idênticos, no segundo. Circunstâncias várias, puramente internas, podem produzir, e produzem, diferenças rituais, de país para país; circunstâncias de educação, de preparação extra-maçónica e de temperamento podem produzir, de país para país, diferenças de exactidão e de solenidade nos trabalhos e ritos, e, de maçon para maçon, diferenças de aproveitamento e de compreensão. Como porém o espírito iniciático da Maçonaria se acha já todo contido nos graus simbólicos, e mormente no primeiro e no terceiro, e como o espírito destes graus, apesar de divergências, rituais e outras, por vezes extraordinárias, é o mesmo em toda a parte, sucede que do ponto de vista iniciático, a Maçonaria é a mesma em toda a parte, por mais que sejam os Altos Graus — que não [são] mais que graus de interpretação, transmutação ou complemento — que se sobreponham, neste ou naquele Rito, aos simbólicos. A Maçonaria Inglesa, propriamente tal, tem só quatro graus — os simbólicos e o Sacro Real Arco. Enganar-se-ia, porém, quem supusesse que um inglês Companheiro do Real Arco, e como tal Príncipe Maçon, está por isso inferior iniciáticamente com 29 pontos a um detentor de todos os 33 graus do Rito Escocês. Mais vale, em muitos casos, a leitura consciente e atenta de certos livros maçónicos, e até de certos livros que aparentemente nada têm com a Maçonaria, do que a obtenção de uma série extensa de Altos Graus, alguns d'eles infelizmente totalmente desprovidos de interesse ou de poder interpretativo, quando não até de coerência ritual. E mais do que tudo isso vale ainda uma iniciação extra ou supermaçónica.

Deve compreender-se que em tudo isto tenho estado a tratar da Maçonaria do ponto de vista iniciático. Que uma série extensa de Altos Graus sirva convenientemente para uma selecção ou peneiramento — concedo-o, e é, aliás, intuitivo. Isso, porém, não tem que ver com o lado iniciático, mas com o lado, por assim dizer, administrativo, da Maçonaria. Mais adiante tocarei esse ponto.
As condições sociais e políticas variam de país para país. Variam com elas as condições em que vivem as liberdades públicas, as normas de tolerância e respeito pelas opiniões individuais, o grau de educação do povo. A acção da Maçonaria, no que depositária de uma doutrina, ou critério, liberal terá forçosamente que variar com elas, e com essa variação terão também que variar os processos que adopta, o grau em que faz ou não faz segredo dos seus componentes.
Em Inglaterra, onde estão plenamente conquistadas as liberdades públicas, e onde ninguém seriamente a ameaça, a Maçonaria nada, ou pouco, tem que fazer politicamente. De aí resulta o não ter necessidade de ocultar os seus componentes (...)

Começa pelo mesmo nome da instituição: francalvenaria. Não é franca, porque é secreta, e nada tem que ver com alvenaria. Esta observação não é original: utilizo-me da célebre definição de franc-maçon dada por Mgr. de Broglie [?]: (...)
Uma das coisas com que se entretiveram os meus irrespondentes foi o demonstrar a minha grande ignorância de assuntos maçónicos. Como no resto, isso nada vinha para o caso. Estamos outra vez no 13 de Fevereiro e no Kiuss. Supondo que os meus conhecimentos da natureza e história da Ordem Maçónica fossem pobres e superficiais, nada isso pesava em favor do projecto do Sr. José Cabral. Como, porém, não há direito de intrujar o público, nem em nome do duplo sacerdócio de uma imprensa que se diz cristã, desejo empregar o espaço, já mais breve, deste artigo em corrigir a quase inacreditável série de dislates que me foram opostos como ciência maçónica, consciência católica e proficiência histórica.

Deixo de parte o erudito que nas Novidades assina "Malho" — Nada disse: limitou-se a cair nos alçapões que pus pelo meu artigo fora. Lamento somente que naquele jornal seráfico se empreguem expressões como (...), se bem que conheço a justificação que pode ser apresentada: os católicos romanos não são cristãos, mas pagãos sombrios, em nada têm pois que conformar-se com as doutrinas dos Evangelhos, e em nada que pretender seguir os ensinamentos do Cristo. Sei isso tudo muito bem. O que não compreendo é porque há "Malho" nas Novidades. Acham "malhete" pouco? Símbolo, embora involuntário; símbolo. "Latet in symbolis vita alteris vitae". E o Malho escusa de me vir dizer que sabe onde está essa frase, porque o pseudo-cristão não conhece os rituais da Ordem onde eles figuram, nem naturalmente, por serem em latim, debaixo da cifra em que estão translatos, porventura os entenderia. Nunca compreendi, aliás, porque é que os Padres da Igreja de Roma não sabem o latim em que, maçadamente, ofendem os rituais e as cerimónias cujas palavras profissionalmente proferem, sem alma, sem vida e sem religião. Esses amanuenses de Deus — de Deus como eles lá o entendem — nem sequer fingem servir decentemente o Grande Patrão. Por isso a freguesia escasseia, ou compra só batatas, para com elas formarem a sua lógica.

Ora, deixado de parte esse erudito do antipatriotismo negro, fica-me só, por desgraça minha e do leitor, o Sr. Alfredo Pimenta. Esta enciclopédia irracional é um dos mais perfeitos símbolos, exemplares e tipos que temos hoje, para prazer do nosso riso e mágoa do nosso espírito. É o perfeito símbolo do intelectual reaccionário — um monstro menor, magro de si mas engordado de reflexos e citações. É o perfeito exemplar do político reaccionário — um monstro um pouco maior, triste de si mas alegrado de ódios. É o perfeito tipo do interruptor nacional — um monstro enorme que se intromete sempre onde ninguém o chama e vem elucidar com asneiras o que ninguém escreveu. Sem termos aqui Loch Ness algum, apareceu-nos este monstro sem sequer trazer consigo o Loch. Assim seja. [...] O Sr. Doutor Alfredo Pimenta tem todo o valor [?] pelo menos literário, [...] só um castigo de Deus — uma praga de gafanhotos, como as vi em África: começa por esconder o sol e acaba por roer o verde. Felizmente tudo isso passa: é uma espécie de sarampo das novas épocas, se bem que o Sr. Dr. A. E,. tenha mais parecenças com uma tosse convulsa.
Até aqui tenho tratado o Sr. Doutor Alfredo Pimenta com a maior cortesia. Vou agora atacá-lo, desmenti-lo e ensiná-lo. Vai levar uma ensaboadela, e das boas. Ou fica limpo ou fica morto. No primeiro caso, presto-lhe um serviço a ele; no segundo, presto-o ao país.

Fernando Pessoa
Carta ao Director de A Voz, 28/01/1934


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